Ondina de Odiana

Ondina de Odiana

Todos os dias existe espaço para sermos surpreendidos pela nossa própria sensibilidade. Tantas vezes ouvimos e vemos coisas que pensamos “estou a imaginar coisas“, mas na realidade era a nossa intuição a falar connosco.

Ultimamente têm chegado algumas pessoas a perguntar como desenvolver uma melhor escuta da sua intuição, a minha resposta é sempre tão simples, mas parece sempre tão complexa de colocar em prática. Seres honesto com o que escutas e vês e partilhares isso sem filtros é sempre o primeiro passo. Por isso aqui vai a minha partilha sobre a última viagem que fiz de férias.

Uma meditação numa noite de insónia

Cheguei a Vila Real de Santo António já tarde, cansado, mas com pouco sono porque dormi durante a viagem, fazendo com que tivesse algumas horas de insónias, algo nada habitual em mim. Como costumo fazer, sempre que as insónias batem, aproveito para meditar sobre algo até ir chegando o sono.

Naquela noite fui automaticamente levado a sentir o local onde estava, pois apesar deste ser um local que já conheço, existem sempre formas de desvendar mais detalhes. No começo só me era possível sentir uma divisão, um portal fechado no rio que trancava as margens Portuguesa e Espanhola. Como pode uma cidade viver tanto de turismo e estar energeticamente tão fechada?

Fui aprofundando esta barreira até chegar muito perto dela, no meio do rio, onde as águas doces e salgadas se misturam. Mas ao analisar este local surge uma entidade para me guiar a meditação e até para me guiar nos dias seguintes. Tronco de mulher, cabelos longos e verdes possível de se confundirem com algas e uma cauda de peixe.

É tão bonito ver como os nossos preconceitos funcionam. Ao ver a sua cauda tentei na minha mente inverter a posição das barbatanas, colocando-as numa posição “de sereia digna da Disney”, mas não, ela insistia em ter as barbatanas na vertical. Insistiu de tal forma que fez questão de me mostrar como se movia rápido no rio com elas.

Atenção, recordo que cheguei tarde e mal tinha ainda passeado pelas redondezas, tudo isto chegou assim, logo na primeira noite. Nos dias seguintes descobri as zonas de água envolventes onde se reconhecem conjuntos de plantas aquáticas que eram claramente os seus cabelos, como vi também peixes da zona com o mesmo tipo de cauda e cor de escamas que ela tinha. É por isso que temos que confiar e partilhar todas as nossas visões e sensação sem filtros de preconceito, para que simplesmente fluam livremente.

Uma mensagem das profundezas

Esta maravilhosa Ondina de Odiana (nome original do rio Guadiana) mostrou-me como estava a trabalhar para manter alguma harmonia local, num local que parecia ter nascido para criar divisão. Não me fez sentido pois para mim Vila Real de Santo António era uma “porta aberta” a Espanha, ao comércio, à troca de pessoas. Até temos um barco que sai de hora em hora levando e trazendo pessoas de ambas as margens.

Novamente, lá estava eu a presumir antes de viver o local. Descobri posteriormente que esta cidade é criada pouco depois do terramoto de 1755 para defesa da fronteira, substituindo Castro Marim como único ponto de defesa até à altura. Vila Real de Santo António era até então apenas um local de ninguém habitado por pescadores locais e com história de ocupação árabe e romana.

Ergueu-se uma cidade em menos de um ano, numa altura em que não existia uma real ameaça, por isso foi construida para mostrar “estamos aqui”. Que vibração e influência local poderia ter isto a não ser a firme decisão de dividir povos?

Com os dias a passar entendi que realmente as pessoas cruzam a margem, mas não se misturam. Há uma troca comercial, mas não há um real esforço para se relacionarem entre si.

Tentei com todas as ferramentas que tenho, levar um pouco da consciência desta linda Ondina às pessoas com quem me cruzei. Escrevo hoje para também partilhar a sua história e espalhar a mensagem. Com ela recordei o poder da intenção sobre o local que habitamos, o poder da subtileza da natureza e relembrei o peso da história sobre todos nós. Sendo que este peso não é algo estanque, é apenas terreno que temos para crescer e florescer todos os dias, ele não nos limita ele desafia-nos para irmos mais além.

Recorda também o poder das tuas heranças e os sinais de tudo o que te rodeia.